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Tortillando

Foi apenas depois de ler um comentário no facebook do Alex, meu amigo que está na Espanha, que me deparei com a notícia de que o vulcão de fogo, o Pacaya, vizinho aqui de Antigua, havia entrado em erupção. Tudo bem, eram 6 da manhã ainda e inclusive um par de turistas esperava o shuttle para então não conseguir chegar até o dito cujo.

Havia chegado perto do nervosinho quando então ele ainda estava calmo há 5 dias atrás, quando fui até Ciudad Vieja, primeira capital da Guatemala, a aprender a tortillar com a mãe do Luís, guardião do albergue de Antigua, segunda capital do país, a Gladys.

Com uma destreza que só as pessoas muito seguras de sua vida e suas escolhas e quase de seu destino têm, me mostrou todo o processo de preparação da massa da tortilla: deixar os grãos de milho ferverem com água de cal (isso, pasmem, não fazia idéia), quando estiverem mais tenros mas não muito cozidos, levar a moer com seu tio (ela já não moi mais no muque, cada vasilhame com mais ou menos 4 quilos de grãos é massarocado por meros 1 quetzal, 0,20 centavos de real), ir adicionando água caso ela se resseque e umas poucas doses da famosa mão na massa.

A tortilla é a base da massa das maiores delícias da culinária de rua daqui: a tortilla propriamente, os tacos, os tamales e lá pelo México, minhas favoritas, as tlayudas. Alem disso, tortillar é um verbo. No dicionário callejero, eu o descrevo como:

  1. Ato de pegar uma certa quantidade de massa em formato já um pouco arredondado e bater entre as palmas da mão até e com o intuito de transformá-la num círculo homogêneo e fino;
  2. Tentar tirar um samba ou melhor, uma salsa com as palmas da mão, com direito a todas as fases amorosas: o apego melado, um ritmo já mais cadenciado, as brigas repetidas e o final desenlace do desapego. Já pro fogo, ou melhor, pro comal.
  3. Terapia entre mulheres cuja ação física de bater na massa ajuda a desbloquear tensões enquanto ritma a conversa entre as cumadres.

Gladys aluga um barracão onde suas duas filhas trabalham com mais uma funcionária enquanto ela tortilla na sua casa com sua nora. Fomos de um lado a outro, meros 3 quarteirões. Ela é uma grande maestra. Ia guardando minhas tortillas para que no final acompanhássemos meu desenvolvimento, sublime! Foi me dando exemplos de pessoas que demoraram muito a aprender; ia elogiando minhas façanhas; colocou sua neta de 6 anos para me ensinar a tortillar; se por acaso eu travasse, refizesse uma, duas, três vezes a tal batedeira e nada, ela me aconselhava a largar aquele monte de massa e pegar uma porção fresca. Era uma lição.

E com uma gentileza, uma delicadeza e uma simplicidade que só a vida mesmo… Então, filosofias a parte, ganhei um bom resumo de sua vida, trocamos confidências não só femininas mas humanas, conheci uma penca de gente que ia lá a comprar e ainda filei o almoço. Eu, ela, suas duas filhas, a funcionária, seu marido, seu filho, seus dois netos, as galinhas e a pata com uns 5 patinhos rodando entre nós. Comi minhas tortillas com o feijão caseiro e os chicharrones de pollo, que são como a pele frita em que ela vai tirando a gordura e guardando para a posteridade. Não tinha como negar o frango, mas isso eu levo com tranquilidade. Alem da água de Pepsi, sim, eles chamavam refrigerante de água de coca, de fanta, tem descrição mais naif que essa???

Pois foi entre os doces convites para me hospedar em sua casa por um par de noites caso eu voltasse para a Guatemala que me inteirei do tal do vulcão de água que cercava o povoado. Foi ele que entrou em erupção em 1541 e inundou toda a então capital. Resolvi voltar a pé ao final da jornada e observar o caminho. Ia criando paisagens imaginárias e uma delas era o tal do vulcão jorrando informação. Sou apaixonada pelas grandes manifestações da natureza como vulcões, tsunamis, tornados, acho muito fantástico, como das primeiras vezes que se vê uma explosão de fogos, como o primeiro mergulho, como um grande espetáculo que emociona o coração, nos faz desaparecer, nos aproxima do tal Deus…

Como o sonho passa há algumas quadras da realidade… Cheguei hoje à capital e tinha uma camada negra sobre o solo, estavam recapeando o asfalto mas não sabia dizer por qual motivo havia subido para a calçada. Bem, chovia. Foi quando subi no busão e desci há meia hora dali que percebi que a tal lama seguia sujando meu já quase imprestável tênis e atrapalhando as rodinhas da minha bagagem e bom, perguntei para a senhora ao meu lado, quê que estava acontecendo com a cidade. Eram as cinzas do vulcão.

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